Peixes viram "bois" do mar na cozinha
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Peixes viram "bois" do mar na cozinha



Nova onda na gastronomia brasileira é aproveitar tudo que um pescado pode oferecer.  Esse tipo de culinária não é novo e já vinha sendo servido há muitos anos em cidades do litoral dos EUA e de alguns países na Europa e Ásia.  Os especialistas afirma: da cococha à cauda: peixes podem ser totalmente aproveitados. Aprenda algumas dicas para fazer bonito em casa.

                            Bochecha de taomboiu
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Comum nos países europeus, o uso de coração, bochecha, queixo (a cococha, em espanhol), medula e outras partes dos pescados, muito além das ovas, está em alta entre chefs brasileiros

Bochecha, fígado, moela, língua, coração – depois que o aproveitamento de bovinos e suínos de cabo a rabo avançou além dos fogões domésticos e chegou à alta cozinha também no Brasil, os chefs agora voltam as atenções aos pescados. A ideia é a mesma: tirar proveito de partes menos nobres, com preparos que valorizam as entranhas.

Há clássicos do gênero pelo mundo, como a “língua” de bacalhau, que é como os portugueses chamam o queixo – este na Espanha é a cococha, iguaria no País Basco tirada principalmente da merluza; já o fígado de tamboril é tão nobre que ganhou o apelido de foie gras do mar. Por aqui, um dos poucos clássicos do estilo é a moela da tainha, apreciada em Santa Catarina e no Paraná e que começa a chegar também a São Paulo, em plena temporada. 

Contra o desperdício, os chefs brasileiros estão entrando na onda. No início de maio, durante o Gelinaz, que reuniu 14 chefs num único jantar em São Paulo, Alex Atala, Manu Buffara e Thiago Castanho fizeram uma ode aos miúdos de pescados: uma releitura de sarapatel, com moela de tainha, terrine de fígado de tamboril e ovas. 

Entre os chefs entrevistados, contamos miúdos de pelo menos 20 variedades de peixe. Cada um se presta a um tipo de uso. Do linguado, usa-se o fígado; da meca, a medula; cococha é da garoupa e a bochecha, de sardo. Famosa pelas ovas (com as quais se faz a bottarga), a tainha, abundante no inverno no Sul do país, é a única que tem a moela, órgão digestivo encontrado nas aves. 

Em Santa Catarina e no Paraná, a moela da tainha vai da cozinha doméstica ao boteco. Das memórias da infância o chef Alysson Müller a resgatou para servir no Rosso, em Florianópolis, como entrada, num refogado com ciboulette e pimentão; faz também um antepasto com moela cozida no vinho branco conservada em azeite, e o espetinho assado na churrasqueira.

Manu Buffara, do Manu, em Curitiba, conta que cresceu vendo a avó preparar moela. “Minha avó cozinha a moela com bastante tempero, como se fosse bucho, e faz uma farofa que é uma delícia.” Manu prepara o órgão curado com sal e açúcar, cortado como tartar e servido com picles de limão galego e pele crocante de frango. 

A chef, que já trabalhou num barco de pesca no Alasca e hoje mantém relação próxima com pescadores, usa entranha e bochecha de sardo, um pequeno peixe que vive perto de pedras. Com as entranhas, faz uma espécie de missô (soja e vísceras fermentadas), que ela pincela sobre abacaxi cozido e leva à churrasqueira para caramelizar. Já a bochecha é curada com sal e açúcar ou cozida na manteiga queimada com leite de coco. 

Cheia de colágeno e delicada, a bochecha desmancha fácil e requer cuidado, dizem os chefs. De uma leva de namorados que recebeu no começo deste mês, o francês Julien Mercier, do Le Bilboquet, aproveitou as bochechas, que serviu grelhadas com molho cremoso de açafrão e ervas. “Minha mãe fazia muito bochecha de tamboril. Quando cozida, é extremamente macia.”

No Lasai, do chef Rafael Costa e Silva, no Rio, há bochechas de garoupa e linguado. Como o chef só recebe peixe selvagem do litoral do Rio, seu menu muda todo dia e, quando tem namorado, faz também a cococha. Parte inferior da boca, como se fosse o queixo, tem uso comum no norte da Espanha, onde Rafael trabalhou no Mugaritz. Gordurosa e de textura quase cartilaginosa, vai para o prato empanada e frita rapidamente na frigideira.

TESTÍCULOS

Peixes: robalo, buri 

Preparo: grelhado

Exemplo: no Aizomê, Telma prepara o saco (shirako) grelhado com molho cítrico

CORAÇÃO

Peixes: atum

Preparo: cozido

Exemplo: vai no sarapatel que André Saburó prepara com sangue, bucho, nervos e outros miúdos

FÍGADO

Peixes: beijupirá, tamboril, olho-de-cão, linguado, garoupa, robalo, pirarucu, pargo, arraia

Preparo: frito, em terrine, misturado em ensopados para dar corpo

Exemplos: o uso clássico do fígado do tamboril é como foie gras, grelhado. No Rosso, o de linguado vira patê para ir na torrada de brioche

MOELA

Peixe: tainha

Preparo: salteada, refogada, grelhada, cozida, crua em tartar

Exemplos: curada com sal e açúcar, a moela é cortada como tartar e servida por Manu Buffara com picles de limão galego. Ivan Ralston sugere a cazuela (ensopado) com ragu de tomate e ora-pro-nóbis

INTESTINO

Peixes: pargo, robalo, garoupa, atum, sardo

Preparo: cozido, grelhado

Exemplos: japoneses costumam comer o intestino em conserva salgada (shiokara), servido com arroz ou com saquê, ou grelhado, conta Telma Shiraishi. André Saburó usa o do atum no sarapatel
CABEÇA

BOCHECHA

Peixes: buri, garoupa, atum, tamboril, cherne, sardo, linguado, namorado, meca

Preparo: grelhada, apenas selada, cozida em cocção lenta e suave

Exemplo: a do namorado é grelhada e servida com molho cremoso de açafrão no Bilboquet. No Tête-à-Tête, Gabriel Matteuzzi faz ceviche com a bochecha do tamboril

COCOCHA

Peixes: namorado, robalo, pescada-cambucu, garoupa, bacalhau

Preparo: empanada, frita, cozida

Exemplo: Rafael Costa e Silva cozinha a cococha 2 minutos em caldo de peixe e alho. No Taberna da Esquina, Luís Espadana a prepara com coentro e vinagre. Já Gabriel Matteuzzi sugere à pil pil, como no País Basco, cozida em muito azeite

COLAR

Peixes: atum, buri

Preparo: grelhado

Exemplo: depois de serrar a estrutura em formato de paleta, André Saburó deixa-a um dia no sal e grelha. Entre japoneses, é comum usar essa parte como churrasco, como faz Telma Shiraishi

CABEÇA INTEIRA

Peixes: bacalhau, pirarucu, pescada-branca, garoupa

Preparo: cozida inteira, depois são recolhidas as espinhas

Exemplos: no Tordesilhas, Mara Salles serve bolinho de pirarucu feito apenas com a carne da cabeça. Ivan Ralston faz chips da cabeça da pescada-branca frita, desidratada e frita de novo. Já Matteuzzi usa a cabeça do bacalhau para caldos, cozida pelo menos 12 horas

Vísceras e outras "sobras" de peixes

    Asa

    Asinha de pintado que já foi servida no Mocotó, do chef Rodrigo Oliveira, com maionese de pimenta-de-cheiro e limão-cravo

    Cococha, o queixo

    Cococha de namorado empanada (à dir.) com carne da asa da garoupa (carne branca à esq.) e molho de ervilha do Lasai

    Colar

    Colar do atum grelhado por André Saburó, em Recife; fronteira entre a cabeça e o corpo, num peixe grande como o atum essa parte reúne estrutura óssea, músculo e gordura

    Bochecha

    Prato de Manu Buffara feito com a bochecha do tamboril, mandioquinha e ova de tainha curada

    "Língua", a cococha portuguesa

    Arroz de língua de bacalhau da Taberna da Esquina, mas o chef Luís Espadana explica que língua é como os portugueses chamam o queixo (cococha em espanhol)

    Moela

    Moela de tainha refogada com ciboulette, vinho branco e pimentões amarelos, prato do chef Alysson Müller, de Florianópolis

    Fígado

    No Tuju, Ivan Ralston defuma o fígado de tamboril e depois o rala por cima de uma torrada de fubá com ouriço (o fígado é a parte branca que lembra queijo parmesão ralado)

    Lardo

    No Lasai, Rafael Costa e Silva aproveita a gordura da barriga da meca, que não seria aproveitada nos filés, para produzir um "lardo" - curado... Leia mais

    Pele

    Esse é o torresmo de atum que o chef André Saburó faz com uma película branca interna do peixe, sem gordura, que fica grudada na espinha dors... Leia mais

    Asa

    Asinha de pintado que já foi servida no Mocotó, do chef Rodrigo Oliveira, com maionese de pimenta-de-cheiro e limão-cravo

    Cococha, o queixo

    Cococha de namorado empanada (à dir.) com carne da asa da garoupa (carne branca à esq.) e molho de ervilha do Las

Peixes: pintado, garoupa, baiacu, atum

Preparo: cozida, empanada, frita

Exemplos: barbatanas de baiacu assadas vão num copo de saquê quente no Aizomê. Saburó cozinha a cauda do atum com missoshiro. No Lasai, a asa da garoupa (grudada em muita carne) é embebida em molho de porco e vai na brasa. No Mocotó, Rodrigo Oliveira já fez asinha de pintado empanada

CORDÃO

Peixe: linguado

Preparo: cozido

Exemplo: no Lasai, Rafael tira o cordão do linguado (parte que contorna todo o peixe, entre a carne e as barbatanas) e o serve só quente, levemente cozido, com azeite

PELE

Peixes: baiacu, garoupa, pargo, bacalhau, pirarucu

Preparo: cozida, frita

Exemplos: no Aizomê, a pele escaldada é servida com molho ponzu. No Bilboquet, vira uma espécie de pururuca. No Tuju, o caldo-base é feito só de água e pele de bacalhau

MEDULA

Peixes: atum, meca

Preparo: servida crua

Exemplos: no Lasai, é marinada dois minutos no limão e, na mesa, ganha caldo de grão-de-bico tostado. No Bilboquet, é servida crua com raspas de limão-taiti

LINHA DE SANGUE

Peixe: atum

Preparo: cozida

Exemplo: Saburó usa a linha do atum, mais grossa que a de outros peixes, para fazer sarapatel seguindo os preceitos da receita tradicional, que leva sangue de porco.




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