Durante a semana que antecedeu sua estreia numa Copa do Mundo da FIFA como anfitriã, muito se falou na Seleção Brasileira sobre calma, serenidade, paciência e qualquer outro derivado que seguisse essa linha. A Croácia realmente exigiu isso do time de Luiz Felipe Scolari. Mas certamente não houve nenhum jogador em campo que tenha precisado exercitar mais essa faceta do que Marcelo. Antes da virada, dos três pontos, ele foi a figura mais testada em termos de nervovismo.
Aos 11 minutos, depois de um cruzamento de Ivica Olic pela esquerda, o centroavante Nikica Jelavic chegou a furar em seu arremate, mas seu leve desvio foi o suficiente para empurrar a bola na direção do lateral, que não teve muito tempo para reagir. E aí veio o acidente: acabou tocando para a rede, naquele que foi o primeiro gol contra na história dos Mundiais para o Brasil, pondo o rival na frente.
Pensem: era um jogo de estreia. Não uma abertura qualquer, mas, sim, a de uma Copa. E, claro, um torneio ainda mais especial: em casa. Mais um fator complicador: foi em São Paulo, cidade em que o público é notoriamente mais rigoroso em sua avaliação. Como fazer, então?
“A primeira coisa que veio na minha cabeça era ficar tranquilo, para não prejudicar o time”, afirmou o brasileiro ao FIFA.com. “Se eu fosse abaixo, poderia atrapalhar a equipe. Então, tinha de cuidar primeiro disso.”
Aí é que se manifesta a maturidade do lateral esquerdo, que já foi bem mais esquentado em campo. Um comportamento cultivado ano após ano em sua carreira com o Real Madrid - pelo qual foi uma das peças-chave na final da UEFA Champions League.
Agora, de nada adiantaria toda a tarimba do mundo se ele não tivesse alguém ao seu lado. Ou melhor: milhares de pessoas, dentre as quais se destacam seus dez companheiros titulares. “A torcida também me apoiou depois de eu ter feito o gol contra, gritando o meu nome. Meus companheiros também vieram. Isso facilitou para já tirar aquilo da minha cabeça rapidamente. Em seguida eu já estava ligado no jogo de novo.”
Só quem não ofereceu exatamente um ombro amigo foi o croata Luka Modric, seu companheiro de Real Madrid. Quando desceu do gramado da Arena de São Paulo, Marcelo vestia a camisa 10 do talentoso meio-campista. Depois de passarem um bom tempo nos respectivos vestiários, os dois voltaram a se encontrar nos corredores da Arena de São Paulo. O lateral afirma que ele é um de seus grandes amigos no futebol. Mas daí a pensar que Modric, aquele que saiu derrotado, ofereceria consolo? Seria literalmente “forçar a amizade”. “Na verdade, a gente não fala sobre futebol. Temos essa regrinha”, conta o ala, rindo.
Contudo, voltemos ao ponto colocado por Marcelo: a importância de não só ele, mas o time todo conseguir se manter concentrado na partida uma vez superado o baque. É certo que Julio Cesar e a prestigiada defesa brasileira ainda foram testados mais algumas vezes no jogo, mas o Brasil soube juntar as peças aos poucos em campo, sem se desesperar. Restavam praticamente 80 minutos de jogo ainda. “Fico feliz pelo poder de reação que nossa equipe teve, a calma para fazer uma ótima partida de reação”, afirmou Neymar aoFIFA.com.
O atacante, aliás, autor dos dois primeiros gols, também precisou ser paciente em pelo menos dois momentos particulares. Justamente na hora de superar o goleiro Stipe Pletikosa. Primeiro, ele acertou um chute de fora da área, de canhota. A bola, que não saiu tão potente assim, foi se arrastando até o cantinho esquerdo. Tocou na trave ainda e entrou. Era como se toda a torcida atrás do gol a tivesse puxado em sua direção, no sufoco. Depois, no pênalti, já na metade final do segundo tempo, o craque viu o croata ainda fazer uma defesa parcial, que não evitou a virada. “Dois gols praticamente chorados, é verdade, mas faz parte. O importante depois é ver a bola na rede."
Dentre os tantos a comemorar, lá estava Marcelo também. Agora oficialmente com a cabeça em outro lugar. “Isso acontece no futebol. Hoje a gente começou um pouco tenso, mas conseguimos, com um apoio grandioso da torcida, virar o jogo”, completa, bem mais aliviado, descontraído. Uma grande virada, sem dúvida.