A desigualdade aumentou para a maior parte da população mundial nas últimas três décadas: de cada 10 seres humanos, sete vivem em países onde a distância entre ricos e pobres cresceu no período. É um problema que afeta tanto as nações desenvolvidas quanto as mais atrasadas. Na África subsaariana, há 16 bilionários. E 358 milhões de pessoas vivendo na miséria.
Caso se faça uma lista com as 85 maiores fortunas do planeta, chega-se a um montante que equivale às posses da metade mais pobre da população global, aproximadamente 3,6 bilhões de pessoas. “A desigualdade pode causar tensão política e está por trás de protestos em todo o mundo, inclusive os que ocorreram no ano passado no Brasil”, afirmou Simon Ticehurst, diretor no país da Oxfam, confederação de organizações sociais espalhadas por 18 nações. Ela inicia hoje a campanha Even it up, o equivalente em português a “equilibre o jogo”, com o objetivo de chamar a atenção para a desigualdade e para as medidas que podem levar à sua redução.
A América Latina é exceção nesse quadro global, com expressiva redução das disparidades desde 2000, quando a situação atingiu o pior grau. O Brasil lidera essa melhora. “Nós brincamos dizendo que éramos o país mais desigual do mundo e tínhamos o melhor futebol e, hoje, não somos nenhuma coisa nem outra”, comentou o economista João Saboia, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Por muitos anos, a medalha de ouro da concentração era do Brasil. Agora está com as Ilhas Seychelles e, entre os países do G-20, com a África do Sul, onde os contrastes atuais são ainda maiores do que na época do apartheid, o regime de segregação racial.
Criminalidade
Se o Brasil desceu degraus do pódio da desigualdade, a América Latina como um todo, a despeito dos avanços, continua no topo. A Oxfam aponta a alta correlação entre as diferenças de renda e a criminalidade. Das 50 cidades mais violentas do mundo, 41 estão na região. Essa lista, o Brasil ainda lidera, com 16 cidades. Mas não é o país com maior taxa de homicídios. México e nações vizinhas estão na frente, com índices superiores aos de áreas em guerra civil, como o Iraque.
O Brasil ajudou a América Latina de dois modos: melhorando o índice da região e exportando seus programas. “Muito do que foi feito aqui tornou-se referência”, afirmou Ticehurst, da Oxfam. O relatório da organização faz sete menções positivas sobre o país. Um dos destaques é o programa Bolsa Família, que entrega dinheiro aos mais pobres e obriga os beneficiários a vacinar os filhos e enviá-los para a escola. “Isso cria um ciclo virtuoso, que fará as novas gerações terem muito mais oportunidades”, destacou Ticehurst.
Renda não é apenas dinheiro. O relatório da Oxfam mostra que serviços públicos têm grande poder de melhorar a vida das pessoas. “Em cinco países latino-americanos (Argentina, Bolívia, Brasil, México e Uruguai), a renda virtual da educação e saúde reduziu as diferenças em 10% a 20%. A educação teve um desempenho, chave na redução da desigualdade no Brasil e ajudou a manter o baixo grau de diferença de renda na Coreia do Sul”, registra o relatório.
Reformas
O problema é que o ritmo de redução das disparidades diminuiu nos últimos anos. “A parte mais fácil foi feita. Agora é preciso promover mudanças estruturais”, apontou o diretor da Oxfam. Para isso, deve-se ir além do maior acesso à educação e à saúde e aumentar a qualidade. Mas não é só isso. Ticehurst chamou a atenção para a necessidade de uma reforma política. “É preciso evitar que os mais ricos capturem os Estados, fazendo com que tomem decisões que lhes favoreçam”, defendeu.
Outra reforma necessária, disse Ticehurst, é a tributária. Empresários também querem isso, porque esperam que a simplificação do sistema diminua custos de produção. Mas o foco social da Oxfam é diferente. Ela vê necessidade de reduzir a taxação do consumo e aumentar as alíquotas sobre a renda. “Os tributos sobre consumo são regressivos. Atingem de forma acentuada os mais pobres, que gastam quase tudo o que recebem, e menos os mais ricos, que conseguem poupar. É preciso criar um sistema progressivo”, afirmou.
Uma das maiores causas do aumento da desigualdade, de acordo com o relatório da Oxfam, é o chamado “fundamentalismo de mercado”. Isso embute uma crítica à ideia de que as empresas, instituições financeiras e os agentes econômicos devem ter a maior liberdade possível para tocar os negócios. A organização acredita que isso leva ao domínio da economia pela elite, com efeitos negativos para o bem-estar da população e para o próprio desenvolvimento econômico. O relatório cita defensores dessa tese, como Joseph Stiglitz, um dos vencedores do prêmio Nobel de economia.
“Consideramos aceitável que exista alguma desigualdade, de forma a premiar o talento das pessoas. Seria razoável o executivo de uma empresa receber um salário 20 vezes maior do que o de um trabalhador de nível médio. Mas, no Reino Unido, os mais bem pagos nas 100 maiores empresas recebem 131 vezes o rendimento do pessoal de nível médio”, comparou Ticehurst.
Essas altas remunerações são a principal causa do aumento da desigualdade nas regiões mais desenvolvidas, algo que tem efeito muito além do acesso ao consumo. Em Glasgow, na Escócia, há uma linha de metrô ligando o bairro mais rico da cidade ao mais pobre. Em cada estação, a expectativa de vida é menor que a anterior. A diferença entre o início e o fim da linha é de 15 anos.
Taxação de fortunas
O crescimento econômico só contribui com a redução da desigualdade, destacou o diretor da Oxfam, quando é acompanhado de outras medidas. Ele citou o exemplo de Zâmbia, país africano que vem crescendo 3% ao ano por um longo período, porém com aumento das disparidades sociais. O economista francês Thomas Piketty defendeu no livro O Capital no século 21 a ideia de que a desigualdade é inata ao capitalismo e deve ser combatida por meio da taxação de grandes fortunas.
Correio Braziliense