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Farsa da gordura nos alimentos
Certamente você já deve ter ouvido falar que a gordura trans é prejudicial à saúde. Mas você sabe porque ela é tão utilizada pela indústria alimentícia? Porque ela é nociva? E, acima de tudo, você sabe que pode estar consumindo-a mesmo quando compra produtos cujas embalagens estampam “sem gordura trans”? Eu não sabia. Foi em uma palestra do IDEC, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, que fiz esta descoberta.
O ingrediente é gerado por um processo conhecido como “hidrogenação” que transforma um óleo vegetal líquido em sólido. Ele entra no nosso organismo e ocupa o lugar que deveria ser das gorduras “boas”, os ômegas presentes em peixes, no abacate, nas sementes de chia e linhaça e no azeite extra-virgem, entre outros. Estas gorduras são essenciais para desempenhar funções como a modulação do sistema imunológico, do sistema nervoso central e periférico e também funcionam como anti-inflamatórios naturais. Quando o seu lugar é ocupado pelas trans estas funções são alteradas. Além disso, o seu consumo excessivo pode aumentar os índices de colesterol, diminuir os níveis do chamado bom colesterol, que “limpa” as artérias, e facilitar até o aparecimento de diabetes tipo 2.
Apesar dos comprovados malefícios à saúde, ela é muito utilizada pela indústria alimentícia para aumentar o prazo de validade dos produtos, para dar um aspecto crocante a biscoitos e frituras, para colaborar com a cremosidade de maioneses e margarinas e com a textura dos recheios de bombons, bolos e bolachas. Desde 2004, a Organização Mundial da Saúde recomenda que a gordura trans seja abolida do cardápio dos brasileiros. Alguns produtos alimentícios de fato diminuíram o seu percentual nos últimos anos, mas nem por isso, ele foi totalmente abolido das fórmulas, diferentemente do que muitas embalagens dizem. Esta foi a comprovação de uma pesquisa realizada pelo IDEC com cinquenta marcas de diferentes tipos de bolachas e biscoitos doces e salgados. E não é só sobre este item que as embalagens costumam “maquiar” alguns dados.
Conversei sobre isto com a Ana Paula Bortoletto, que é doutora em Nutrição e Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP, pesquisadora do Idec e do NUPENS, o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde.
-A gordura trans pode estar presente mesmo em produtos cujos rótulos dizem o contrário?
Ana Paula Bortoletto – Sim! Na tabela nutricional pode estar declarado que a quantidade de gordura trans é zero para uma determinada porção, mas o produto pode conter essa substância. Para confirmar, é preciso ler a lista de ingredientes. Se na lista de ingredientes contiver os termos ‘gordura vegetal hidrogenada’ ou ‘gordura vegetal parcialmente hidrogenada’ é porque têm gordura trans. Se o termo for mais genérico como ‘gordura vegetal’ ou só gordura, desconfie, pode ser que essa gordura também seja trans!
Por que isso acontece? O que diz a legislação sobre isso?
Ana Paula Bortoletto – A legislação sobre a rotulagem de alimentos no Brasil permite que o fabricante declare “ zero” de gordura trans na tabela nutricional em produtos que contenham até 0,2g dessa substância por porção. Ou seja, se a porção é pequena, o fabricante pode colocar zero, mas esse valor pode ser maior de acordo com a quantidade consumida. Na pesquisa do Idec sobre gordura trans nós destacamos os principais problemas e os motivos que provocam essas confusões:
-Isto é prejudicial para o consumidor? Por que?
Ana Paula Bortoletto – Sim! Primeiro, porque essa confusão desrespeita o direito do consumidor à informação clara e correta sobre a composição dos produtos ofertados. Segundo, porque nenhuma quantidade de gordura trans é considerada segura para o consumo humano, pois essa substância comprovadamente faz mal à saúde (provoca doenças cardiovasculares). Essa contradição na informação da gordura trans, portanto, prejudica em muito o consumidor que deseja fazer escolhas alimentares mais saudáveis e não quer consumir gordura trans artificial.
-E quanto aos produtos considerados integrais, podemos sempre confiar no que a embalagem diz?
Ana Paula Bortoletto – Infelizmente não. Não existe regulamentação para o uso do termo integral. Por isso, muitos fabricantes usam essa alegação mesmo se o produto não contém ou contém uma quantidade muito pequena de farinha integral. Apesar da falta de regulamentação, usar a palavra integral sem utilizar (ou usar muito pouco) ingredientes integrais é, para o Idec, uma prática de publicidade enganosa, que é considerada ilegal pelo Código de Defesa do Consumidor.
-O que é necessário para que ele seja de fato um alimento integral?
Ana Paula Bortoletto – Como não existe uma regra, o ideal é que o primeiro ingrediente que aparece na lista de ingredientes seja algum tipo de farinha integral ou cereal integral. Isso significa que a farinha integral é o ingrediente em maior quantidade no produto. Na pesquisa do Idec sobre o uso do termo Integral em biscoitos nós identificamos produtos que usam a alegação de forma inadequada.
-Outra confusão comum é a respeito dos rótulos que anunciam percentuais menores de sódio ou gordura, por exemplo. Eles são menores com relação a que parâmetros? Isso significa que sejam saudáveis?
Ana Paula Bortoletto – O parâmetro utilizado é o alimento de referência, sendo considerada a versão convencional do mesmo alimento. Para esse tipo de alegação (menos sódio, menos gordura, etc) existe uma regra da Anvisa que determina que o produto tenha uma redução mínima de 25% do nutriente para usá-la. Porém, isso não significa necessariamente que o alimento seja saudável. Por exemplo, um bolo pronto pode ter reduzido teor de açúcares, mas isso não quer dizer que o alimento se torna saudável. Segundo o Guia Alimentar para a população brasileira, o produto continua sendo ultraprocessado e, portanto, o seu consumo deve ser evitado.
-Sobre o que o consumidor deve ficar atento na hora de ler os rótulos?
Ana Paula Bortoletto – O consumidor deve sempre ler a parte da frente do produto, a lista de ingredientes e a informação nutricional. As indústrias costumam querer ‘camuflar’ informações que para eles não são favoráveis, mas que para o consumidor são imprescindíveis. Principalmente pessoas que têm alguma restrição alimentar, como alergias, ou que possuem diabetes, pressão alta, precisam estar atentos a todas informações para saberem se o alimento pode ser consumido ou não. Para quem tem alguma alergia alimentar, teremos informações mais precisas a partir de julho deste ano, quando entra em vigor uma nova regra da Anvisa que vai facilitar a busca por informações de alimentos que podem causar alergias como ovo, leite, soja, amendoim, crustáceos e etc.
-Há alguma ação feita para acabar com estas práticas?
Ana Paula Bortoletto – Sim! O Idec tem como uma das ações prioritárias a melhoria das normas de rotulagem e atua para acabar com essas práticas de diferentes maneiras. Uma delas é empoderando a população para exercer seu papel cidadão e cobrar as indústrias por maior transparência sobre seus produtos. Além disso, pressionamos o governo diretamente para que as regras melhorem e, assim, garantir o direito à informação e prevenir as doença crônicas não-transmissíveis. Essa pressão pode e deve ser exercida pela população, órgãos de defesa do consumidor, políticos e agências reguladoras.
Fonte Estadão
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