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Garimpo de amor
Narra antiga lenda persa que um homem residia em próspera herdade, na cidade de Golconda, com sua família, alguns camelos e outros animais, um pomar generoso e um rio de águas cantantes que lhe passava pelos fundos da propriedade.
A existência sorria-lhe bênçãos e nenhuma outra preocupação o afligia.
Oportunamente passou pela sua vivenda um homem religioso, que viajava convidando as almas à reflexão e à fé. Pediu-lhe hospedagem e foi recebido com carinho.
Após o jantar, na primeira noite da sua estada, o visitante indagou-lhe:
- És feliz, homem? Observo que sorris e desfrutas de algumas regalias da vida. Gostaria de saber se possuis diamantes ou pedras outras preciosas, que são as bases da felicidade?
O anfitrião, algo surpreendido, respondeu-lhe:
- Em realidade, sinto-me muito feliz. Tenho uma família saudável, que amo e pela qual sou amado, desfrutamos toados de saúde e confiamos em Deus. Sou negociante próspero, mas não ambicioso, dispondo do necessário para prover o lar de tudo quanto se faz indispensável. Mas não tenho jóias, nem mesmo quaisquer outras pedras preciosas. Apesar disso, sim, sou feliz.
- Lamento decepcionar-te - redargüiu o vicejante. - Se não possuis diamantes, talvez jamais os hajas visto, não sabes o que é a felicidade, tampouco és realmente feliz.
Passando a outros temas, logo depois, recolheram-se ao leito.
O homem, que se sentia feliz, começou a pensar na informação que recebera, e pôs-se a ponderar a respeito do valor dos diamantes. Passou uma noite maldormida.
No dia seguinte, o hóspede foi-se adiante, e, ao despedir-se, insistiu, sugerindo:
- Pensa nos diamantes, conforme te falei.
A partir dali, o homem tranqüilo passou a cobiçar diamantes. Procurou conhecer alguns, e perdeu a paz.
Resolveu, por fim, vender a propriedade, deixou uma grande parte do dinheiro com um cunhado, a quem confiou a família, enquanto seguiu em longa viagem na busca de diamantes.
Vadeou rios, atravessou florestas, visitou montanhas e vales, venceu desertos, buscando sempre diamantes, sem jamais os conseguir.
Passaram-se os anos, ele envelheceu procurando diamantes, a enfermidade o vitimou e a morte arrebatou-o, sem que houvesse alcançado a felicidade através das pedras famosas.
Sua família, que houvera perdido o contato com ele, dispersou-se e sofreu amargamente o abandono, a miséria, a separação...
Aquele que lhe houvera comprado a propriedade, vivia feliz e era generoso para com todos.
Mais de um decênio transcorrido, o religioso viajante retornou à propriedade e procurou informar-se a respeito do antigo generoso anfitrião. Foi informado de que já não residia ali, de que houvera vendido a casa e as terras, sem que se soubesse do destino que elegera.
Convidado a pernoitar na mesma residência, após o jantar, enquanto conversava com o senhor que o hospedava, observou sobre a lareira algumas pedras que brilhavam no crepitar das labaredas. Levantou-se, segurou algumas delas, aproximou-as da claridade, e perguntou, emocionado:
- Onde encontraste estas gemas?
- Entre os seixos e outras pedras no riacho - respondeu¬lhe o anfitrião, desinteressado. - Os animais pisam-nas, enquanto sorvem a água transparente, e porque me pareceram muito originais, trouxe algumas para decorar a lareira.
- Homem de Deus! - exclamou o religioso, trêmulo, quase a desvairar. - Estas pedras são diamantes. Amanhã, muito cedo, leva-me ao córrego...
... E passou uma noite inquieta, aflito.
Pela alva, seguiu com o proprietário na direção do regato, e quando lá chegaram, o religioso, com olhar- de lince, constatou que as águas transparentes deslizavam sobre um leito de diamantes brutos, negros, brancos, amarelos, desprestigiados entre calhaus sem valor.
Desse modo, descobriu-se uma das maiores minas de diamantes do mundo, de onde saíram pedras, fabulosas, algumas denominadas como Príncipe Orloff, Ko-i-Noor, etc., que dormem em museus famosos do mundo ou brilham nas coroas de muitos reis.
O homem, que era feliz sem conhecer diamantes, deixou-os no quintal da residência para ir procurá-los, mundo afora, sem nunca os encontrar...
*
O mesmo fenômeno ocorre com o amor.
As vidas possuem o amor no seu imo, mas não o conhecem. Necessitam de alguém que as desperte para o significado profundo e o valor incomparável desse tesouro. No entanto, muitos se referem ao amor como algo que está em tal ou qual lugar, apresenta-se nesta ou naquela situação, sob uma ou outra condição, indicando lugares onde raramente pode ser encontrado.
O amor radica-se no imo de todos os seres pensantes, esperando somente ser identificado, para realizar o mister para o qual se destina.
Não exige sacrifício nem qualquer imposição externa, pois que pulsa, mesmo quando ignorado, realizando o seu mister até o momento em que estua de beleza e harmonia, dominando as paisagens que o agasalham.
La Fontaine escreveu que "nada tem poder sobre o amor; o amor tem-no sobre todas as coisas."
O amor converte os sentimentos humanos e sublima-os, tornando-os santificados e libertadores.
Gandhi afirmava que "por mais duro que alguém seja, derreterá no fogo do amor; se não derreter, é porque o fogo não é bastante forte."
O amor espera pacientemente no leito do rio existencial humano até o momento em que seja descoberto, passando pelo período de desbaste da ganga externa, a fim de que a sua luminescência esplenda em toda a sua glória estelar.
Não surge completo, acabado. Necessita ser trabalhado, aprimorado, bem orientado.
Quanto mais é aplicado, mais se aformoseia, e quanto mais é repartido, mais se multiplica em poder, valor e significado.
É o grande desafio para a existência humana, para a conquista do Espírito imortal.
O amor é um garimpo de diamantes estelares que deve ser explorado.
Possui gemas de diferentes qualidades e valores muito diversos.
De acordo com a coragem e a decisão de quem busca encontrar as suas riquezas insuperáveis, sempre oferece novos matizes e configurações especiais.
Joanna de Ângelis (prefácio da obra Garimpo de Amor - Editora LEAL)
ilustração internet
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