O restaurante por quilo da esquina aumentou seu preço de R$ 30 para R$ 36 - ou seja: alta de 20%. A escola das crianças já enviou um e-mail informando que a mensalidade será 12% maior em 2015. E nos mercados, o preço da carne faz você repensar os planos para um churrasco com os amigos no fim do ano.
Já teve a impressão de que a inflação no seu cotidiano parece ainda maior do que indicam os índices oficiais?Segundo dados do IBGE divulgados nesta sexta-feira, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) - principal indicador da inflação no país - subiu 0,51% em novembro. O índice representa uma aceleração em relação a inflação de outubro, de 0,42%, mas surpreende positivamente muitos analistas (na média eles esperavam variação de 0,55%, segundo a Agência Bloomberg).
A alta acumulada nos últimos 12 meses é de 6,56%, o que preocupa, segundo economistas, porque ultrapassa o teto da meta de inflação definida pelo Banco Central - de 6,5%. "Mas esperamos um desaquecimento do IPCA em dezembro, o que garantiria uma alta de 6,4%", diz Étore Sanchez, da LCA consultores.
Evidentemente, o Brasil ainda está a anos luz do descontrole vivido nos anos 80 e 90, quando se chegou a uma inflação de três dígitos. Mas, nas ruas, não é difícil notar que a inflação voltou a incomodar - e, para muitos, a alta de preços parece ser até maior do que mostram os índices oficiais.
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"De fato há um descompasso (entre a percepção da inflação cotidiana e o índice oficial) que pode ser atribuído tanto à forma como gravamos a variação de preços na memória quanto a limites esperados no cálculo desses índices, que fazem com que a inflação experimentada por alguns indivíduos seja de fato mais alta", explica Paulo Picchetti, economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV)
Memória seletiva
Segundo Picchetti, parte da explicação para tal descompasso estaria ligada a um fenômeno econômico descrito pelo psicólogo Daniel Kahneman, ganhador do prêmio Nobel de Economia."As pessoas tendem a registrar mais e reter por mais tempo na memória os preços que subiram, mas não prestam muita atenção nos que caíram", diz o economista.
"Todo mundo ainda lembra que o quilo do tomate chegou a R$ 15 reais no ano passado, mas agora que baixou para R$ 5 ninguém nota", concorda André Chagas, coordenador do IPC, índice de inflação calculado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Fipe).
No caso do IPCA divulgado nesta sexta-feira, por exemplo, a aceleração foi puxada pelos alimentos e moradias, que subiram 0,77% e 0,69%, respectivamente - ou seja, são esses os preços que devem ter "revoltado" os consumidores no mês passado.
Só a carne teve alta de 3,46% em novembro - talvez seja uma sábia decisão adiar mesmo aquele churrasco. E esquecer o filé com fritas: a batata ficou quase 40% mais cara em novembro (embora acumule baixa no ano).
A gasolina teve um aumento de 1,99% e a energia elétrica ficou 1,67% mais cara. Por outro lado, os preços dos artigos de residência ficaram 0,04% mais baratos, possivelmente como uma consequência dos descontos da Black Friday, segundo explica Sanchez, fazendo a ressalva de que é possível que haja outras explicações para a queda.
"Provavelmente as altas de produtos como batata e limão, impulsionados pela estiagem, vão ser bastante lembrados pelos consumidores", acredita, Chagas, da Fipe.
"Mas será mais difícil ver alguém conversando sobre o impacto positivo da falta de chuvas no orçamento. Aqui em São Paulo, por exemplo, quem atingiu as metas de economia de água, está recebendo desconto."
Outro exemplo seria o item educação, que não aumentou muito nos índices do último mês (teve alta de 0,21% segundo o IPCA). "Os aumentos de mensalidade só entram no cálculo no início do ano", diz Chagas. "Mas como a maioria dos pais já foi comunicada sobre o aumento, ele já causa preocupação."
Inflação individual
O segundo fator que explica a diferença entre a inflação percebida no cotidiano e a dos índices é que, para muitos, as duas podem ser mesmo significativamente diferentes, segundo Picchetti e Chagas.Acontece que os índices inflacionários são calculados com base em uma cesta de produtos montada pelos pesquisadores. Eles acompanham algumas famílias selecionadas durante um ano para entender sua composição de gastos e ponderam o peso de cada produto na cesta com base nessa avaliação.
No caso do IBGE, a pesquisa de preços é feita em regiões metropolitanas e as famílias pesquisadas têm uma renda de até 40 salários mínimos A ideia é que elas sejam "representativas" dos gastos dos brasileiros no geral, mas basta notar a diferença entre seu carrinho e a dos outros clientes de um supermecado para se entender que o método tem seus limites.
"É claro que o seu perfil de gastos pode ser bem diferente dos gastos desse conjunto de 'famílias representativas' usado para se fazer o índice", diz Picchetti.
Ou seja, é possível que sua percepção seja a de que os preços estão subindo mais por que, de fato, a sua "inflação individual" - ou os preços que mais interessam para você - estão subindo mais.
Uma alta muito grande do açúcar, por exemplo, pode ter um impacto pequeno na vida de uma família média, mas será um desastre para uma doceira. Famílias com casa própria evidentemente não são atingidas por aumentos do aluguel, embora eles tenham um impacto no índice oficial - só para mencionar alguns exemplos.
Picchetti explica que a "inflação de cada um" pode variar de acordo com uma série de fatores, que vão de classe social e idade até a região ou cidade em que cada um vive. Segundo o IPCA, por exemplo, a inflação de novembro foi de 0,03% em Vitória e 1,21% em Goiânia.
"Se você vive fora das regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE, a sua inflação pode ser diferente. É possível, por exemplo, que a tarifa de ônibus tenha aumentado mais em sua cidade ou que ela seja abastecida por um centro produtor de alimentos que sofreu mais com a seca", diz o economista da FGV.
Sanchez, da LCA consultores, acrescenta um terceiro fator que pode aumentar a diferença entre a inflação percebida por alguns indivíduos e a dos índices oficiais. "A cesta do IPCA tem algo entre 300 e 400 produtos, mas há uma defasagem na sua seleção", diz o economista.
"Até 2011, por exemplo, a cesta incluía o item fralda de pano, que ninguém mais usava, porque se baseava em uma pesquisa de orçamento familiar feita anos antes. Hoje, muitas famílias de classe média podem ter um tablet, mas o produto não está no índice."
BBc