Verão 2016
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Que tal férias sobre trilhos?

Conhecendo o Brasil pelas janelas dos trens turísticos. Roteiros ferroviários cortam Serra do Mar paranaense e circuito das águas em MG

Depois da destruição da malha ferroviária de passageiros, ocorrida a partir de 1960, conhecer o Brasil de trem deixou de ser a opção mais importante. Mas esta mesma malha ferroviária continua a oferecer atrativos surpreendentes, como paisagens deslumbrantes, além da aproximação com antigos eixos da economia nacional.

Este é o caso da linha na Serra do Mar, no Paraná, que liga Curitiba à cidade histórica de Morretes. Da Maria Fumaça de Campinas, que faz o trajeto até a vizinha Jaguariúna. E do Trem das Águas, que vai de São Lourenço a Soledade de Minas.

Hoje, o país tem 31 trens turísticos em operação, segundo a Associação Brasileira de Operadores de Trens Turísticos e Culturais (ABOTTC), e há quase uma dezena de outros trechos em fase da avaliação ou prestes a iniciar as operações. Com isso, o Brasil fica na condição de 14º país com maior oferta de trens turísticos no mundo, o que entusiasma viajantes e empresários: os ramais em atividade devem transportar este ano cerca de três milhões de passageiros, 1,5 milhão deles pelo Trem do Corcovado.

Para tornar os roteiros mais conhecidos e conciliar oferta e demanda, a ABOTTC e o Sebrae mantêm, desde ano passado, o programa “Trem é turismo”. A ideia é ampliar os serviços e elevar o número de turistas em 15% em dois anos. No primeiro ano, o aumento já foi de 7,5%. A metade restante é rateada pelas demais operadoras — tão diversas quanto ONGs, associações de preservação ferroviária, prefeituras e concessionárias.

Geralmente são pequenos trechos, de poucos quilômetros, que aproveitam a via férrea, operada e administrada por transportadoras de cargas. Coordenador do projeto, Luiz Carlos Barboza, representante da ABOTTC, reconhece que o potencial do turismo ferroviário é subaproveitado.

— Os números do setor e do país mostram que esse é um índice muito pequeno: em breve, podemos dobrar o número de trens em operação e mais que triplicar a quantidade de passageiros, para dez milhões em dez anos — acredita Barbosa, para quem o Brasil “ainda tem muita história a mostrar por meio de seus trilhos”.

Um luxo curitibano

Com boa infraestrutura e central, Curitiba é o cenário adequado para quem pretende iniciar a experiência do turismo ferroviário sem grandes dificuldades. Reconhecida internacionalmente por abrigar o Museu Oscar Niemeyer (MON), que exibe mostra permanente sobre obras do arquiteto, e pela eficiência de seu sistema de transporte urbano, a capital paranaense surpreende também o turista com uma atração pouco visitada: é ponto de partida para o único trem de luxo do país. Na estação de embarque, localizada em frente à Vila Capanema, um vistoso tapete vermelho é colocado para o acesso dos turistas à litorina, um carro de passageiros com motor próprio, que faz o percurso, marcado pelas belas paisagens da Serra do Mar paranaense e pelo conforto.

As baixas temperaturas tornam o passeio semelhante aos itinerários ferroviários da Europa. Mas, por aqui, a combinação entre o requinte encontrado nas litorinas e a beleza natural do itinerário fazem do roteiro uma experiência bem brasileira.

Com capacidade para até 22 pessoas, as litorinas Foz e Copacabana, batizadas com os nomes de dois dos mais famosos pontos turísticos do pais, têm decoração inspirada nos anos 1930, com peças compradas em antiquários, como as poltronas, forradas de couro e veludo, além de um assento extra para casais: a namoradeira. Logo no embarque, o passageiro recebe uma taça de espumante, para brindar ao passeio.

O percurso de 110 quilômetros até a cidade histórica de Morretes é feito em três horas e meia. O tempo, longo para a distância, é justificado pelo intenso ir e vir de trens de carga que passam pela ferrovia, em direção ao Porto de Paranaguá, o mais movimentado do Sul do país. Frequentemente, o maquinista precisa parar e liberar a passagem para trens com vagões que parecem intermináveis.

Viajando com o verde na paisagem

Mas vale a pena esperar pelos atrativos que virão, como os 118 metros de extensão da Ponte São João, construída em aço belga em 1885, sob uma altura de 55 metros, que tira o fôlego dos visitantes por tornar olhar para baixo uma tentação quase irresistível. E como o Viaduto do Carvalho, um contorno de 900 metros de extensão, erguido sobre rochas, que dá ao passageiro a sensação de flutuar em meio ao verde.

Na versão noturna do passeio, muito comum em datas comemorativas, como dias das Mães, dos Namorados e dos Pais, predominam os casais. E o trajeto é mais curto: são apenas 20 quilômetros, feitos geralmente em 40 minutos. Durante as viagens, a tripulação serve um jantar.

Quando não são as faraônicas obras da arquitetura que despertam a atenção do visitante, é a natureza quem o faz, com a exuberância da Mata Atlântica paranaense, que tem no trajeto um de seus trechos mais preservados. Na chegada a Morretes, o passeio ganha status de festival gastronômico: é praticamente obrigatório escolher um dos restaurantes da cidade para degustar o barreado.

O prato típico da cidade, trazido pelos colonizadores portugueses há cerca de 300 anos, consiste numa receita que atravessa os séculos e resiste intacta: uma carne desfiada cozida por 12 horas no próprio vapor, em panela vedada, com tempero abundante. A iguaria é servida com farinha de mandioca, misturada como pirão, e fatias de banana assada ou frita.

Se a bebida que acompanha o prato pode variar conforme a preferência do comensal, a indicação dos garçons, orgulhosos da produção da terra, é sempre a mesma: cachaça. A região de Morretes tem forte produção de cana-de-açúcar e abriga alambiques que, de tão famosos, foram parar nos dicionários. Em alguns deles encontramos o verbete “morretiana” como sinônimo do tradicional destilado de cana.

Caipira tecnológico

De acordo com a ABOTTC, a oferta de trens turísticos vai aumentar em 2016. Está previsto, para março do ano que vem, o início das operações do Trem Caipira, de São José do Rio Preto (SP), ligando o centro da cidade ao distrito Engenheiro Schmitt, famoso pelos doces artesanais. O percurso, de 10,5km, levará meia hora. Mas esqueça os trens antigos e com vagões-restaurante: o passeio será feito em Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), para 58 pessoas.

No Rio espera-se para janeiro a reinauguração do Trem Serra Azul, que vai ligar Miguel Pereira à localidade de Portela, um trecho de 5km. Em abril, será a vez de o Trem da Terra voltar aos trilhos, entre Três Rios e Cataguases (MG), passando por sete cidades, cobrindo uma distância de 180km.

No Rio Grande do Sul: o Trem do Vale do Taquari vai unir a região à Serra Gaúcha a partir de fevereiro, cruzando as localidades de Dois Lajeados, Muçum, Colinas, Vespasiano Corrêa e Roca Sales, ligando Estrela e Guaporé, no percurso da antiga Ferrovia do Trigo. Serão 60km, com 33 túneis e 17 viadutos. O Trem dos Pampas, com 59km de trilhos, de Rio Pardo a Cachoeira do Sul, deve funcionar em abril.


Em MInas como em Minas Gerais

O Trem das Águas, que liga São Lourenço a Soledade de Minas, percorre um caminho histórico. Pela ferrovia — construída há 115 anos, por operários e engenheiros ingleses —, Dom Pedro II e sua comitiva passavam sempre que o imperador buscava tratamento nas revigorantes águas medicinais da instância hidromineral mineira, ainda disponíveis no Parque das Águas.

Atualmente, o turista que decide percorrer a bordo da classe especial da maria-fumaça o percurso de dez quilômetros entre os dois municípios deve deixar de lado o café da manhã oferecido pelo hotel, para se deliciar, sem culpa, diante da farta da gastronomia mineira. O passeio inclui degustação de queijo Minas, provolone e doce de leite. Para beber, há suco de uva branca, vinho e, claro, uma saborosa cachaça regional. O privilégio das delícias locais não é encontrado na classe turística, onde os bancos dos passageiros não são acolchoados, mas o ingresso sai mais em conta.

A cultura regional está presente também na música sertaneja, com os “Violeiros do Trem das Águas”. Entre uma música e uma degustação, a paisagem que passa pelas janelas reflete o cotidiano típico do interior, com casas simples, mata e rios limpos, que disputam espaço com a vegetação abundante. Bem conservado pela Associação Brasileira de Preservação Ferroviária, a composição oferece conforto mas, por razões de segurança, a tripulação não permite o trânsito entre os vagões com a composição em movimento.

O tempo passa rapidamente e o trem logo chega a Soledade de Minas. A estação ferroviária é o principal ponto de encontro do município e tem contornos de shopping center: abriga pequenas lojas que oferecem todos os tipos de produtos. Comida típica, artesanato e lembrancinhas são os produtos mais procurados na parada de 40 minutos. Neste intervalo, os comissários invertem as posições das poltronas para que ninguém precise fazer de costas o caminho de volta. É preciso atenção: é comum pensar que embarcou no trem ou no vagão errado.

Trem das Onze, São Paulo como antes

Os cerca de 30 quilômetros que separam Campinas e Jaguariúna podem ser facilmente vencidos por estrada, através da SP-340, que não tem pedágios neste trecho. Mas a opção de fazer o percurso a bordo da charmosa Maria Fumaça que liga as duas cidades não é apenas uma tentativa de reconciliação com o passado ferroviário do país: trata-se também de um “ato político”. A aglomeração começa bem antes do embarque na plataforma da estação Anhumas, ponto de partida da viagem. Parada na ferrovia, uma locomotiva de quase um século desperta os olhares dos passageiros e é usada para dezenas de selfies: em tempos de acelerada evolução tecnológica, é o passado que faz das redes sociais um museu de grandes novidades.

Quando o público que vai embarcar nos oito vagões puxados pela locomotiva já lota a estação, surge na plataforma o ponte-pretano Vanderlei Alves, gerente responsável pelo trecho, operado pela seção campineira da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF). Ele pede que os pais passem as crianças para a frente do trem, onde explica o funcionamento da caldeira, retrocede à primeira Revolução Industrial para detalhar o funcionamento da tração a vapor e mostra a areia transportada pela locomotiva para iniciar seu entusiasmado manifesto:

— No mundo inteiro, o trem possui dois adversários: ele não combina com a chuva e nem com a neve, porque a água e os flocos fazem o veículo perder aderência. A solução então é jogar areia por cima dos trilhos, e assim os carros de passageiros conseguem passar. No Brasil, o terceiro adversário habita a política: são os políticos que negligenciaram o transporte mais adequado para o país, e não é de agora. Eu pedi que trouxessem as crianças para a frente porque elas são o futuro, são nossa esperança de mudança.

A plateia, formada majoritariamente por turistas e entusiastas do transporte ferroviário que pagaram R$ 90 pelo passeio, aplaude o discurso e parte para o embarque. Os carros de passageiros dos trens de 1958 passaram por restaurações recentes e estão em boas condições, mas preservam as características originais e não têm ar-condicionado. Procure um dos assentos na janela: além de serem mais adequados para fotografias, oferecem um frescor relaxante e bucólicas paisagens rurais cortadas pelos trilhos da Estrada de Ferro Mogiana. Quando essa combinação, aliada ao balanço do trem, começa a provocar sono, o grupo Nostalgia Musical surge com clássicos da MPB. É impossível resistir e não cantarolar o sucesso obrigatório da viagem: o “Trem das onze”.

Tem até cenário de novela

Entre uma música e outra, pausa para um brinde: o carro restaurante oferece água, refrigerantes e cerveja, além de salgadinhos. Tudo isto pode ser pedido também às elegantes ferromoças, que desfilam pelo trem com o inconfundível quepe vermelho da tripulação, quebrando a harmonia do percurso.

— Mas nós temos ferromoços também — descontrai Vanderlei, ao tentar apaziguar os ânimos de uma menina descontente com os olhares do companheiro, antes de ir buscar o único empregado da atividade e comprovar que falava a verdade.

A primeira parada do trajeto acontece no vilarejo campineiro de Tanquinho, um pouco depois da metade do percurso. No local, foram gravadas novelas de época da Globo como “Cabocla”, “Sinhá moça”, “Terra nostra” e “Rei do gado”. Nos dias úteis, a estação oferece uma curiosa exposição de telefones antigos. De volta ao trem, as paisagens do Brasil do século XIX parecem se repetir na próxima parada, Desembargador Furtado. O percurso cruza também outras duas estações, Pedro Américo e Carlos Gomes. À espera de patrocínio para reformas, elas não recebem paradas.

Não se perde muito tempo em Jaguariúna: a estação da cidade famosa pelo rodeio que costuma acontecer em setembro, é também seu principal centro cultural. Ali, há uma tradicional feira de artesanato, ideal para comprar lembranças, um museu ferroviário com exposições permanentes e bons restaurantes a preços justos. E é neste exato momento que o feijão carioquinha servido à mesa nos lembra que estamos em São Paulo: é a saudade, que chama para fazer o caminho de volta.

SERVIÇO

CURITIBA:

Serra Verde Express: Saídas de Curitiba, sempre às 9h15m. Bilhetes a R$ 328 por trecho. Reservas pelo telefone (41) 3888-3488. Consultar datas no site: serraverdeexpress.com.br.

Hotel Deville Business: Diárias para casal a partir de R$ 649. Rua Comendador Araújo 99, Batel, Curitiba. Reservas: 0800-703-1866. deville.com.br.

SÃO LOURENÇO:

Trem das Águas: Estação São Lourenço: Praça Ismael de Souza 9, Centro. Saídas: sábados às 10h e às 14h30m, e domingos, às 11h. Bilhetes: R$ 50 na classe turística e R$ 65, classe especial. abpfsuldeminas.com.

Hotel Central Parque. Diárias a partir de R$ 219. Rua Doutor Mello Vianna 28, Centro, São Lourenço. hotelcentralparque. com.br.

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CAMPINAS:

Maria Fumaça de Campinas: Estação Anhúmas, na Rua Dr. Américo Duarte da Conceição 1.501, Jardim Madalena, Campinas. Saídas de Campinas aos sábados, às 10h10m e às 15h, e aos domingos, às 10h10m, 14h30m e 16h30m. Bilhetes a R$ 90. mariafumacacampinas. com.br.

Stelati Hotel: Avenida dos Ipês 826, Roseira de Baixo, Jaguariúna. Telefone: (19) 3514-6500.




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